SILVANEY SILVA SANTOS, especial para a Mangue Jornalismo
(@prof.silvaney)
A seção PONTO DE VISTA é um espaço que a Mangue Jornalismo abre para que pessoas possam expressar perspectivas que estimulem o debate público sobre uma temática. O artigo deve dialogar com os princípios da Mangue (que estão na parte de transparência do site), entretanto não precisa representar o ponto de vista da organização.
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As “memórias coletivas” são fundamentais para construção, reconstrução e ressignificação da História. Elas podem fazer o passado se manifestar no presente, mas não com a mesma feição; com os mesmos significados e utilidades. Ele, o passado, pode ser inclusive um farol norteador aliado dos governantes para o desenvolvimento das sociedades. Mas, para tanto, faz-se necessário inventividade, criatividade. Dito isto, para refletir sobre a importância histórica das tó tó tós da Barra dos Coqueiros, patrimônio cultural e imaterial de Sergipe e um bem de utilidade pública, legitimado pela Câmara de Vereadores da antiga Ilha de Santa Luzia.
Ampliando a ideia de patrimônio, quando nos referimos às tó tó tós, não podemos dissociar esse meio de transporte feito de madeira e movido a motor, de todo um complexo patrimonial, muito menos de fatos históricos que ocorreram nesse espaço de memória, o rio Sergipe, a Antiga Alfândega de Sergipe, a capital Aracaju, a Ilha dos Coqueiros.
Não se pode desvincular, por exemplo, as tó tó tós do mercado Modelo de Aracaju, sem este talvez aquelas não tivessem sentido (o movimento era grande de pessoas, mercadorias e de histórias românticas e traumáticas).
No espaço das tó tó tós passaram os vapores “Apa”, “Itajay” e “Pyrajá”, quando da visita do imperador dom Pedro II, à Barra dos Coqueiros, em janeiro de 1860. Segue recortes deste fato histórico, publicado no jornal oitocentista Correio de Sergipe (1860):
“Visita à Barra dos Coqueiros
Às 4 horas da tarde do dia 13 de janeiro o rio Cotinguiba (hoje entendemos como Rio Sergipe – grifo nosso) apresentava um aspecto belíssimo. Os três vapores “Apa”, “Itajay” e “Pyrajá”, que estavam no ancoradouro defronte à Aracaju balançavam-se altaneiros sobre as águas que cresciam majestosamente. […] Toda a margem do rio do lado do Aracaju estava coalhada de escalares e canoas que se enchiam de pessoas, desejando pressurosas acompanhar a SS.MM. na visita à Barra dos Coqueiros.”
[…]
“É a Barra dos Coqueiros o lugar talvez mais belo de toda Província de Sergipe. Situada à margem do norte do rio Cotinguiba defronte à Aracaju, é uma planície vastíssima coberta de uma floresta imensa de coqueiros que sacodem, orgulhosos, nos ares suas plumas luzentes”. (Hoje seria Rio Sergipe – grifo nosso),
[…] Pouco depois a galeota imperial abicava na ponte expressamente construída para o desembarque do Imperador na Barra dos Coqueiros.”
Pegando apenas esse exemplo, uma passagem imponente como esta poderia servir para impulsionar o turismo local e gerar renda com o uso criativo das tó tó tós. O passado como instrumento movedor do presente.
Distante quase um século daquela passagem imponente por Sergipe, Mário Cabral, em “Roteiro de Aracaju”, fala sobre esse complexo patrimonial em que estão inseridas as tó tó tós (as canoas), o vai e vem de pessoas e mercadorias, a feira de Aracaju. Do “Porto das canoas”, “chegam carregadas de frutas, carregadas de cereais, carregadas de gente para a grande feira semanal. Dali saem canoas para a Atalaia, para a Praia Formosa, Para Santo Amaro, para a barra dos Coqueiros, para todos os recantos do recôncavo de Sergipe” (Cabral, 1948).
Esse exercício preliminar e aligeirado serve como evidência que comprova que as tó tó tós e todo o complexo patrimonial que giraram em torno do seu funcionamento podem servir para gerar renda para os pescadores, os donos dos veículos aquáticos e os comerciantes em geral. Tudo isto aliado a um projeto sustentável de turismo, história, memória, cultura, patrimônio, empreendedorismo e mídias digitais.
TÓ, TÓ, TÓS… SOS!!!
O rio
O vento batendo,
o côco caindo,
Sergipe recurvo no remo,
remando,
subindo,
descendo, cantando,
o rio decorando,
a cantiga
e guardando no peito
a mágua dos homens.
As canoas chegando
do Santo Amaro.
Os saveiros cansados,
o vento empurrando,
os negros cantando
estranhas cantigas,
saudando os amigos
como lenço nas mãos.
E às vezes de noite,
a lua derrama
um rio de prata
no rosto do rio.
E o vulto dos homens
na sombra do cais,
e os olhos das luzes
abertos na sombra
e os homens do cais
amigos do rio
sentem no peito
as ondas batendo,
o peito sofrendo,
o rio arquejando,
suando agitado
no mesmo destino
dos homens do cais.
(José Sampaio)
Leia AQUI a reportagem da Mangue Jornalismo: Tototós podem desaparecer mesmo sendo patrimônio cultural e imaterial de Sergipe, escrita pela repórter Maiara Ellen.
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Silvaney Silva Santos – é historiador-pesquisador. Mestre em História pela Universidade Federal de Sergipe. Professor do sistema público estadual e do município de Santo Amaro das Brotas; cidade de onde é natural.