![](https://manguejornalismo.org/wp-content/uploads/2025/02/image-18.png)
Apesar da redução no número de casos de feminicídio em Sergipe no ano passado, as ocorrências de violência relacionadas à Lei Maria da Penha ainda são altas e aumentaram no estado em 2024, o que indica uma persistente violência contra as mulheres.
No geral, os registros em delegacia de crimes contra a mulher passaram de 15.794 em 2023 para 16.516 em 2024 no estado. Chama atenção que as Medidas Protetivas de Urgência (MPU) em favor das mulheres em Sergipe aumentaram 23,5% nesse período.
Os dados revelam que de 2023 para 2024 aumentaram no estado as ocorrências de ameaças, dano, descumprimento de medidas protetivas, injúria, maus-tratos, perseguição/stalking (perseguir de forma reiterada, ameaçando a integridade física ou psicológica). Entretanto, o assassinato de mulheres – feminicídio – reduziu de 16 para dez.
O feminicídio é todo homicídio praticado contra a mulher por razões da condição do gênero feminino e em decorrência da violência doméstica e familiar, ou por menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
A delegada Lara Schuster, que atua na Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) de Aracaju, disse que o feminicídio é o estágio mais avançado da violência contra a mulher e precisa ser fortemente combatido. “O feminicídio vem de uma escalada de violência, de crimes anteriores, então queremos coibi-la. Estamos inclusive em um cenário de endurecimento das penas contra feminicidas – que passou de 12 a 30 anos de reclusão para de 20 a 40 anos de reclusão”, disse a delegada em material distribuído pela Secretaria de Segurança Pública de Sergipe (SSP/SE).
No dia 2 de fevereiro, uma jovem de 23 anos foi atacada pelo ex-marido no bairro Remanso, município de Propriá. Ela recebeu vários tiros, conseguiu sobreviver e segue internada. O crime foi registrado por câmeras de rua. No dia seguinte, a polícia prendeu o suspeito.
![](https://manguejornalismo.org/wp-content/uploads/2025/02/image-19.png)
Na sexta-feira, 7, o Ministério das Mulheres lançou a campanha Feminicídio Zero, com a mensagem principal: “nenhuma violência contra a mulher deve ser tolerada”. Várias peças de publicidade serão veiculadas no Carnaval. Em todas as peças, haverá a divulgação da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, disponível também no WhastApp: (61) 9610-0180. A campanha conta também com o apoio dos ministérios da Igualdade Racial e da Saúde. Acesse aqui.
Discurso machista, misógino e ultraconservador e ainda subnotificações
Cindy Barbosa, advogada e que trabalha com consultoria jurídica especializada em direitos das mulheres na Jus Feminina, analisa que o aumento de ocorrências relacionadas à Lei Maria da Penha pode ter várias explicações, sendo que uma delas é que a violência psicológica e a perseguição (stalking) passaram a ser crime em 2021, e isso fez com que mais mulheres busquem medidas para se protegerem de abusos emocionais e morais. Com isso, outras formas de violência além da física também começaram a aparecer mais nas estatísticas.
“Outro ponto que não dá para ignorar é o impacto do contexto político e social. Nos últimos anos, vimos o avanço de uma extrema-direita com um discurso machista, misógino e ultraconservador, além de um desmonte das políticas públicas voltadas para a proteção das mulheres. O bolsonarismo, com sua retórica de ódio, acabou legitimando comportamentos violentos e de submissão das mulheres, e isso reverbera na vida das mulheres”, diz Cindy. Na Jus Feminina também atua a advogada Brisa Xavier.
![](https://i0.wp.com/manguejornalismo.org/wp-content/uploads/2025/02/Imagem2.png?ssl=1)
![](https://i0.wp.com/manguejornalismo.org/wp-content/uploads/2025/02/Imagem1.png?ssl=1)
Advogadas Cindy Barbosa e Brisa Xavier, da Jus Feminina (Crédito: arquivo pessoal)
No entanto, a advogada acredita que, mesmo com o aumento nos registros oficiais de violência, a subnotificação ainda é realidade. “Apesar de a Lei Maria da Penha ser bastante conhecida, uma pesquisa do DataSenado em 2024 mostrou que 75% das brasileiras ainda sabem pouco ou nada sobre a legislação, o que indica que muitas mulheres podem não estar recorrendo aos mecanismos de proteção disponíveis”, disse Cindy.
ALGUMAS OCORRÊNCIAS RELACIONADAS À LEI MARIA DA PENHA EM SERGIPE
Ocorrências em delegacias | Ano 2023 | Ano 2024 |
Ameaça | 4844 | 4974 |
Dano | 644 | 777 |
Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência | 677 | 950 |
Estupro | 133 | 104 |
Estupro de vulnerável | 243 | 200 |
Furto | 88 | 104 |
Importunação sexual | 156 | 90 |
Injúria | 2765 | 3153 |
Lesão corporal | 2319 | 2231 |
Maus-tratos | 97 | 127 |
Perseguição (Stalking) | 549 | 673 |
Sequestro e cárcere privado | 54 | 50 |
Violação de domicílio | 183 | 185 |
Medida Protetiva de Urgência | 5311 | 6559 |
Ocorrências gerais da Lei Maria da Penha | 15794 | 16516 |
Danielle Garcia, secretária de estado de Política para Mulheres, acredita que o aumento no número de registros de violência contra as mulheres em Sergipe é resultado da confiança que foram produzidas pelo aparato legal e a organização das instituições para conter essas violências. “Antes, os crimes ocorriam e não eram sequer registrados. Mas, por meio de um trabalho transversal da Secretaria de Políticas para as Mulheres, juntamente com todos os demais órgãos responsáveis por proteger essas vítimas, inclusive setores da sociedade civil, essa proteção tem sido cada dia mais eficaz”, informa a secretária.
A Secretaria de Segurança Pública de Sergipe (SSP) também avalia que o aumento no número de registros vem da segurança das mulheres nas instituições. “Isso tem contribuído para que as vítimas se sintam à vontade para procurar as autoridades policiais, presencialmente ou pela Delegacia Virtual da Mulher. Quando a mulher procura a delegacia, é atendida por uma equipe devidamente preparada para acolhê-la e ouvi-la de forma atenta e cuidadosa evitando a revitimização”, disse a SSP em nota enviada para Mangue Jornalismo.
Importância ampla e relativa das medidas protetivas em favor das mulheres
Tanto a secretária de Política para as Mulheres quanto a SSP afirmam que o resultado desse trabalho articulado gera um aumento do número de denúncias e de concessão de medidas protetivas, o que tem salvado vidas e evitado o crime mais grave, que é o feminicídio. Um dos exemplos de sucesso é a adoção de medidas protetivas. “Elas são essenciais para a preservação da vida das mulheres vítimas de violência doméstica e em razão de gênero em Sergipe. A prova disso é que, desde a instituição desse mecanismo de proteção, nenhuma das mulheres com medida protetiva ativa foi vítima de feminicídio no estado”, informou a SSP.
“O aumento das medidas protetivas possibilitou uma redução de 47% no número de feminicídio, mostrando-nos ainda os dados que as mulheres que estão morrendo são aquelas que nunca pediram nenhum tipo de ajuda. Por isso a importância de campanhas como a ‘Rompa o ciclo’, e demais ações que temos realizado na capital e demais municípios sergipanos, pois estão encorajando nossas mulheres a pedirem ajuda e mostrando a confiabilidade das nossas ações”, disse a secretária Daniella Garcia.
![](https://manguejornalismo.org/wp-content/uploads/2025/02/image-21.png)
Para a advogada Cindy Barbosa, as medidas protetivas de urgência são uma ferramenta fundamental para a segurança das mulheres, mas, sozinhas, não são suficientes. “O cenário mostra que nenhuma medida protetiva vai garantir proteção efetiva se o Estado não executar políticas públicas e projetos de combate e enfrentamento à violência, promovendo prevenção, educação e suporte contínuo para as vítimas. O problema é que a violência contra a mulher está tão enraizada na sociedade que muitos agressores simplesmente se sentem no direito de descumprir essas determinações, revitimizando ainda mais as mulheres”, analisa.
Cindy Barbosa chama atenção de aspectos importantes quando se tratam das medidas protetivas, por exemplo, muitas vezes a eficácia delas ainda esbarra na demora do Judiciário em julgar os casos, o que faz com que muitas vítimas fiquem vulneráveis enquanto aguardam uma resposta mais definitiva do sistema de justiça.
“Além disso, o olhar punitivista do Estado se direciona para um perfil específico de agressor, geralmente aquele pertencente às classes mais baixas, enquanto outros homens continuam violentando mulheres sem a mesma resposta do sistema de justiça. Isso evidencia que, embora a punição tenha seu papel, ela não pode ser o único mecanismo de enfrentamento à violência de gênero”, analisa Cindy.
Para a advogada, uma mulher vulnerabilizada pelo contexto da violência precisa, acima de tudo, de acolhimento e não de julgamento. “Na maioria dos casos, ela está em um relacionamento afetivo, tem filhos envolvidos e vê a construção social da família sendo desmoronada, o que torna ainda mais difícil romper com essa situação”, ressalta.
O que tem sido feito e o que ainda falta fazer?
A advogada Cindy Barbosa defende que o Estado precisa investir em um corpo técnico qualificado para tratar a saúde mental das mulheres. “Muitas não estão fortalecidas o suficiente para sair de relações abusivas e acabam presas no ciclo da violência. O acesso a atendimento psicológico e social é essencial para que essas mulheres consigam romper com situações de opressão”, defende.
Outro ponto destacado pela especialista é o fortalecimento da política do cuidado. “Muitas mulheres não têm autonomia sobre seu tempo e corpos, pois estão sobrecarregadas com o trabalho doméstico e o cuidado de outras pessoas. A ausência de equipamentos públicos, como creches, lavanderias comunitárias e restaurantes populares, agrava isso. Espaços como esses não apenas aliviam essa carga, mas também criam redes de proteção e fortalecimento entre mulheres. A promoção ao emprego, renda e emancipação econômica também é indispensável. Sem independência financeira, muitas mulheres se veem obrigadas a permanecer em relações violentas por falta de alternativas”, aponta Cindy.
A advogada disse acreditar muito na educação como uma tecnologia de enfrentamento às violências. “Inserir o debate de gênero nas escolas, trabalhar a desconstrução de estereótipos desde a infância e promover uma educação que questione a cultura machista são passos essenciais para que possamos, de fato, construir uma sociedade onde as mulheres sejam respeitadas e protegidas”, defende.
A Secretaria de Estado de Políticas para as Mulheres informou que acompanha os casos de violência. “Para aquelas mulheres em situação de vulnerabilidade social, nós mantemos contato com os demais órgãos que compõem a rede de proteção para que elas sejam bem-acolhidas e tenham seus direitos garantidos. Inclusive, para criar uma rota favorável de atendimento às vítimas, nesses dois últimos anos promovemos Capacitações de Articulação de Serviços para a Proteção Integral às Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar para quase 900 profissionais que atuam na rede de proteção de 42 municípios sergipanos”, informou a secretária.
Sobre a capacitação, Danielle Garcia informou que nela se “orienta os profissionais sobre a necessidade de intercâmbio das documentações e de informações que possam retirar a mulher e seus filhos e familiares da situação de violência, apresentando o Formulário Nacional de Avaliação de Risco. Reforçamos ainda a importância da análise, diagnóstico e gestão dos riscos apresentados neste formulário como uma forma de prevenir a ocorrência de feminicídios”, esclarece.
![](https://manguejornalismo.org/wp-content/uploads/2025/02/image-23.png)
A secretária citou ainda a existência do Cartão CMais Mulher, “que já beneficiou mais de 1.300 mulheres vítimas de violência que atendem aos critérios estabelecidos em lei, garantindo um auxílio financeiro para que elas possam romper o ciclo da violência e que, além da transferência de renda, oferta capacitação profissional para que elas sejam inseridas no mercado de trabalho ou comecem o seu próprio negócio”, informa.
Daniella afirmou que o enfrentamento à violência contra mulher não se faz por uma única via. “Não se trata, por exemplo, apenas de enxergarmos a violência doméstica como caso de polícia. É um problema que precisa ser atacado em várias frentes, como, por exemplo, o fortalecimento e especialização das forças de segurança, o intercâmbio constante com o Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública, a participação efetiva de políticas de assistência social, a integração de uma rede de proteção, às campanhas de conscientização, a inclusão dessa temática nas escolas. Não dá para tratar de um problema crônico dessa magnitude com soluções simplistas”, avalia.
Combate à violência contra mulher exige participação de toda sociedade
Para a advogada Cindy Barbosa entende que a família tem um papel fundamental no contexto de violência contra a mulher para oferecer suporte e suprir o espaço deixado pelo agressor, ajudando a mulher a sair do ciclo da violência. Ele ressalta que muitas mulheres acreditam genuinamente na mudança do agressor, assumindo a culpa pela situação.
“A sociedade tem o dever de não revitimizar essas mulheres e de não ignorar situações de violência. Pequenas atitudes do dia a dia fazem a diferença: não aceitar ‘piadinhas’ de amigos, não naturalizar comportamentos abusivos e ter um olhar atento ao redor. Além disso, a escola e demais instituições, têm um papel essencial na disseminação da informação e na percepção de famílias que estão vivendo situações de violência, sendo espaços que podem identificar sinais e encaminhar para ajuda especializada. Se todos e todas formos combativos contra a violência de gênero, podemos enfraquecer sua estrutura e contribuir para a redução desses índices”, afirma Cindy.
Danielle Garcia defende que todos devem ser multiplicadores das campanhas de conscientização sobre os diferentes tipos de violência e reforçar a importância da denúncia, sempre com acolhimento e empatia. “Além disso, é importante que, ao testemunhar um caso de violência, busque ajuda, denuncie e acolha a vítima. Não há lugar para julgamentos nesse momento, mas, sim, repito, para acolhimento e fortalecimento dessa mulher vítima. O enfrentamento à violência contra a mulher é um papel de todos”, disse a secretária de estado de Políticas para Mulheres.
Em nota para a Mangue Jornalismo, a SSP defende que “a comunidade precisa estar atenta aos sinais que envolvem desde xingamentos, toques de intimidação, agressão física ou verbal para efetivar as denúncias tanto para a Polícia Militar, quanto para a Polícia Civil”.
Com a participação da sociedade e também a participação ativa das vítimas, a Polícia Civil registrou, apenas em 2024, o total de 34 prisões em flagrante e nove mandados de prisão cumpridos apenas no tocante aos crimes cometidos em razão de violência doméstica e de gênero no estado, conforme ocorrências registradas no Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV).
Os casos de flagrantes podem ser denunciados à Polícia Militar pelo telefone 190. Os casos recorrentes também podem ser comunicados ao Disque-Denúncia (181), da Polícia Civil. Para a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, e o WhastApp é (61) 9610-0180.