Em uma mistura de samba reggae, rap, punk rock, eletrônico e discotecagem, BNegão anuncia que o seu próximo álbum solo está para chegar. Mesmo com data de lançamento marcada para o dia 16 de novembro no Sesc São Paulo, um pouco de “Metamorfoses, Riddims e Afins” preencheu o set do Bota Som, projeto de discotecagem que trouxe o músico a Aracaju em outubro.
BNegão aterrissou em Aracaju com o “Bota Som”, um projeto que acontece desde 1998 e que leva “sons das periferias do planeta” por aí. A passagem teve um contexto especial: ele montou seu set no Che Music Bar e fez a galera balançar na véspera do seu aniversário, 25 de outubro. Quem foi ao show recebeu o presente de escutar, adiantado, algumas faixas do seu novo álbum. E, de acordo com seu produtor Christian de Mauro, a ideia é que no próximo ano o músico passe por Aracaju novamente com o novo álbum oficialmente lançado.
“O disco tem vários ritmos, 95% das paradas são tudo ritmos brasileiros, de raízes africanas e eletrônico”. Riddim é a pronúncia em patoá jamaicano, língua crioula da Jamaica, para a palavra inglesa rhythm, que significa ritmo. Com as mesmas origens do reggae, dancehall, calipso, soca e reggaeton, o riddim é feito a partir de instrumentais, em seguida a voz do cantor é colocada para acompanhar esse som.
“Metamorfoses, Riddims e Afins” começou a ser feito em meados de 2019 e vem com outras formas, possivelmente desconhecidas para quem acompanha o trabalho de BNegão na banda Planet Hemp. “Para quem me acompanha na cena do hip-hop vai ser um choque, mas para quem conhece o meu trabalho pela discotecagem, vai ser tipo uma continuação”, explica.
BNegão chega na cena musical desde muito novo. Foi com a sua entrada na banda Planet Hemp que a sua carreira começou a alcançar novos voos. Sua vontade de brincar com a música e fazer da arte a sua política de luta o leva a projetos paralelos. Em 2003, BNegão lançou o álbum “Enxugando Gelo”, com os Seletores de Frequência. “Quando eu entrei na cena, eu cheguei com banda, todo mundo que era da minha cena, era com banda. Então eu não tive muita oportunidade de usar e botar minha criatividade junto desse sistema de som eletronicamente. Aí eu parei com os Seletores [de Frequência] para poder me dedicar a isso”, conta.
O cantor lançou o primeiro single do novo álbum no dia 16 de fevereiro, “Canto da Sereia”. Uma regravação da música de Osvaldo Nunes e The Pop’s, de 1969, porém com uma carga de novos ritmos urbanos. O seu primeiro contato com essa música foi através da Orquestra Contemporânea de Olinda, em Recife. No momento em que ouviu, não sabia que era uma música de Osvaldo Nunes e desde o primeiro contato não conseguiu parar de cantar os versos.
“Pra que alguma microcoisa no mundo mude”
Para compor, samplear e remixar as suas músicas, BNegão utiliza das suas vivências como referência. É através dos sons que o cantor se expressa artisticamente e politicamente. Com os seus 13 anos de idade, BNegão estava pelas ruas do Rio de Janeiro, cidade em que nasceu, tentando entrar nos lugares em que pessoas como ele eram proibidas de passar até pela porta. “Tanto as próprias músicas que batem para eu poder me expressar quanto as letras fazem parte da minha vivência, do que eu acredito, do que eu tô vendo. Ou como cronista, ou como um cara que tá tentando botar uma coisa ali como elemento de mudança”, falou o músico.
Ficando pelas ruas da Lapa até a madrugada, o cantor viveu a marginalidade e ouviu os sons que dela ressoavam, seja nos bailes, nas casas e até nas violências sofridas. “Com 12 anos eu já era parado pela polícia. De todas as cinco vezes que eu tive a arma apontada na minha cabeça, bem pertinho, diretamente para mim, foi pela polícia”, contou BNegão.
Não bastasse utilizar de outros sons para se renovar, BNegão também é referência para aqueles que acreditam no poder das músicas. Uma dessas pessoas é o músico Tchapas, que abriu o show de BNegão em Aracaju no Che. Natural de Natal, Tchapas constrói sua trajetória em Sergipe, ganha a vida sendo cantor de barzinhos, mas está sempre compondo suas próprias músicas. Para ele, suas músicas refletem o teor das tatuagens de soldados soviéticos que cobrem o seu corpo: a luta política.
“O Planet Hemp foi um dos sons que forjou o meu acabamento alternativo, e quando eu soube que ia ter BNegão, fui lá para perguntar qual era o dia e eles ofereceram para eu ser a outra atração. O que eu faço tem a mesma irmandade sonora, tem o mesmo galho da árvore musical [de BNegão]”, contou Tchapas.
A graça pela ironia é uma das características mais fortes nas músicas de BNegão. Em sua música “A verdadeira dança do patinho”, uma música com ritmos dançantes e envolventes, BNegão até diz que as pessoas começam a ouvir rindo e terminam com um sorriso amarelo repensando sobre os diversos tipos de dominação social e política dentro de uma sociedade capitalista. “Isso é a minha personalidade expressada dentro da música”.
Com essas referências da vida, BNegão até lembra de uma música do grupo Muleque de Rua chamada “O Sósia”. A letra fala sobre a milícia e sobre como a figura do policial pode ser análoga à do ladrão. A música estará no novo álbum. O guarda era o sósia do ladrão, esse ladrão foi quem matou o guarda […], pegou o cano e vestiu a farda […], é que atrás da farda ele não deixou de ser bandido. Recitando verso por verso da música, BNegão termina soltando uma gargalhada, com sua ironia e irreverência.
Edição: Aline Braga