A Mangue Jornalismo mostrou o problema em março passado. Dois meses depois, trabalhadores ainda convivem com salários e benefícios atrasados, assédio e incertezas sobre o futuro de seus vínculos empregatícios. Empresas estão desistindo dos contratos e a UFS vem assumindo diretamente os pagamentos, mas o contingenciamento de verbas do Governo Federal prejudica famílias que passam por dificuldades para fechar as contas.

Em março deste ano, a Mangue Jornalismo trouxe à tona a realidade dos trabalhadores terceirizados da Universidade Federal de Sergipe (UFS), que convivem com constantes atrasos salariais e uma série de outras violações. Dois meses depois, o cenário quase não mudou. Depoimentos colhidos pela reportagem mostram que os salários continuam sendo pagos fora do prazo, benefícios como vale-alimentação e transporte acumulam atrasos, e os trabalhadores seguem sem respostas concretas da universidade ou das empresas contratadas.
A empresa D&L, responsável por parte dos serviços administrativos terceirizados na UFS, é uma das que protagonizam esse cenário. Um trabalhador contratado pela empresa, que prefere não se identificar, confirma que os atrasos salariais são recorrentes.
“Eu recebi o salário de abril só no dia 21, para você ter ideia. O vale-alimentação e o transporte também estão vindo com atraso. Isso já é rotina”, relata o trabalhador à Mangue Jornalismo.
O trabalhador também denuncia uma situação que gerou grande frustração entre os colegas. “Havia uma licitação finalizada para substituir a D&L. Ela previa um salário maior para nós, uma reivindicação antiga, já que exercemos as mesmas funções de um técnico-administrativo concursado. No meu caso, substituo uma técnica que foi convocada para trabalhar no Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Faço exatamente as mesmas funções, mas recebo um salário mínimo. Só que a nova gestão da UFS suspendeu a licitação e decidiu fazer outra”, diz.
Ele também critica uma suposta justificativa que ouviu de servidores da Pró-Reitoria de Planejamento (Proplan) da UFS. “Disseram que o sindicato dos terceirizados fechou um acordo permitindo que a empresa pague até o vigésimo dia. Mas eu e muitos outros trabalhadores sequer sabemos da existência desse sindicato. Nunca fizemos adesão”, afirma o trabalhador
Funcionários da limpeza relatam assédio e sobrecarga
Se a situação dos administrativos é grave, quem trabalha na limpeza da UFS enfrenta, além dos atrasos, denúncias de assédio moral, más condições de trabalho e sobrecarga. Uma funcionária da empresa Clarear, que também pediu anonimato, conta que os atrasos começaram em fevereiro e vêm piorando desde então.
“Em fevereiro, recebemos no dia 14. Em março, só no dia 13. Abril foi no dia 8. Em maio, só no dia 20. E ainda estamos sem previsão de receber o vale-alimentação deste mês”, afirma.
Ela relata ainda um ambiente de trabalho marcado pelo medo e pela omissão da empresa diante de denúncias – fator que, inclusive, a deixa insegura em revelar a identidade e preferir pela denúncia anônima.
“Aqui é olhos e boca fechados. No ano passado, fui vítima de difamação por uma colega. Levei pra empresa, ouvidoria, corregedoria e nada foi feito. A preposta da Clarear disse na minha cara que ‘a empresa não tem que tomar um posicionamento com outra pessoa que uma funcionária quer’. Sofri tanto que isso me causou até a separação do meu marido”, lamenta.
Em maio, uma reunião foi realizada com os trabalhadores e representantes da UFS após as denúncias ganharem visibilidade nas redes sociais da própria universidade. Foram relatados casos de assédio moral, atrasos salariais, atraso no pagamento de férias e má gestão dos benefícios. “Mesmo depois de ouvir todo mundo, até agora nada foi feito”, desabafa.
Uma cartilha sobre assédio moral foi encaminhada via Whatsapp para os trabalhadores da empresa. A funcionária, porém, questiona essa contradição, uma vez que a maior parte dos casos de assédio moral ocorre não entre colegas, mas partindo da própria empresa.
A trabalhadora também denuncia falta de equipamentos adequados. “Deveríamos ter carrinhos para transportar os materiais de limpeza. Trabalho levando balde, vassoura, rodo e sacolas de papel de um setor pro outro. Cuido de vários departamentos, incluindo laboratórios e clínicas”, explica.

Sindicato cobra solução e alerta para risco de colapso
O Sindicato dos Trabalhadores Técnico-Administrativos em Educação da UFS (SINTUFS), que também representa os terceirizados, acompanha a situação de perto. Fábio Farias, dirigente do sindicato, confirma que os atrasos se agravaram nas últimas semanas.
“Fomos informados que os últimos trabalhadores receberam na semana passada, mas não checamos ainda. Isso confirma que houve atraso e muito. São três grandes contratos: administrativo (D&L), limpeza e jardinagem. Desde fevereiro, a D&L informou à UFS que não tinha mais como pagar e que não seguiria com o contrato. A universidade, então, precisou assumir o pagamento diretamente”, explica.
Segundo Fábio, agora as empresas de limpeza e jardinagem também informaram que não têm mais condições de arcar com os contratos e não vão prosseguir com o fornecimento do serviço de terceirização do trabalho na instituição. “Elas avisaram isso com o mês já em andamento. A UFS aparentemente teve que assumir esse pagamento também e esses trabalhadores estão recebendo só agora, depois do vencimento”, explica
O dirigente destacou ainda que o SINTUFS já solicitou uma reunião urgente com a reitoria para entender como ficará a situação daqui pra frente. “Queremos saber se vai ter um novo processo licitatório de urgência e se a UFS vai continuar assumindo os pagamentos nos próximos meses, sem atrasos. Não dá pra ficar todo mês nessa incerteza. As empresas estão pulando fora do barco. Muito provavelmente, há também atraso no repasse por parte da própria UFS, que sofre com o contingenciamento do Governo Federal”, avalia.

UFS culpa falta de repasse do MEC, mas reconhece gravidade
Em nota oficial, a Universidade Federal de Sergipe informou que está ciente dos atrasos no pagamento dos salários dos trabalhadores terceirizados. A instituição afirma que a responsabilidade direta pelo pagamento é das empresas contratadas, mas admite que depende dos repasses do Ministério da Educação (MEC) para efetuar os pagamentos às empresas.
A universidade declarou que está em contato constante com o MEC para a liberação dos recursos e que o problema afeta várias instituições federais devido ao contingenciamento orçamentário.
Questionada pela Mangue sobre o processo de licitação que previa substituir a D&L, a Assessoria de Comunicação da UFS esclareceu que não havia uma licitação formal concluída, mas sim uma coleta de preços que ainda não estava finalizada. A assessoria informou que é preciso três orçamentos para prosseguir e é nesse estágio em que o processo se encontra e que o assunto está sendo tratado com máxima urgência.
Sobre as denúncias envolvendo a empresa Clarear — atrasos no vale-alimentação, falta de equipamentos e denúncias públicas nas redes sociais —, a UFS informou que a empresa já foi notificada formalmente.
A Mangue Jornalismo tentou contato nas duas reportagens sobre o assunto com a representante da empresa D&L, sem obter resposta. Não foi possível encontrar contato de representante da empresa Clarear, citada nas denúncias do pessoal da limpeza da universidade. A Mangue está à disposição para posicionamento da empresa após publicação desta reportagem. Enquanto isso, com o modelo de terceirização de mão de obra em xeque, trabalhadores seguem acumulando prejuízos, incertezas e vivendo um cenário onde as garantias mais básicas — como salário, alimentação e dignidade no ambiente de trabalho — estão longe de ser asseguradas.