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“A quem recorrer para salvar Aracaju?” Arquiteto relaciona alguns dos graves problemas que a cidade enfrenta por falta de um plano diretor atualizado

RICARDO MASCARELLO, especial para Mangue Jornalismo
Arquiteto e urbanista e conselheiro federal do Conselho Arquitetura e Urbanismo/Brasil

A história que se repete e o repente que não se cansa de correr. Nossa breve história do Plano do Diretor de Aracaju “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come” se sustenta no teorema que se mantivermos vigente o atual Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), do ano 2000, estaremos dando continuidade nos equívocos e permissividades quanto aos parâmetros de ocupação do solo e de atrocidades ambientais que vêm ocorrendo em nossa cidade.

Se aprovarmos a Minuta de Revisão do PDDU elaborada pela Prefeitura Municipal de Aracaju em 2021 seguiremos nos mesmos equívocos e consequentes problemáticas.

Dito isto, percebemos claramente que depois de 23 anos com o mesmo PDDU que vem configurando uma cidade desprovida de qualidade ambiental e de exclusão social, enfrentamos agora o descaso de uma revisão feita em 2021 que carrega no corpo da lei os mesmos direcionamentos de permissividade de uso e ocupação do solo e o desprezo pelo meio ambiente natural.

“Qual a cidade que queremos para os nossos filhos?” (Foto MOTU)

Podemos claramente evidenciar quanto aos parâmetros urbanísticos constantes no PDDU 2000 que vêm prejudicando um crescimento harmônico e uma ocupação com sérios problemas e que os mesmos se repetem na Revisão de 2021. Destacamos alguns pontos principais:

1) Macrozoneamento com pouca diferenciação dos parâmetros urbanísticos que permite construir com as mesmas características em praticamente todas as áreas da cidade (não respeita as peculiaridades culturais de cada localidade da cidade e as formas urbanas existentes);

2) Altos Coeficientes de Aproveitamento que possibilitam o aumento da densidade populacional sobrecarregando a infraestrutura urbana e no aumento da densidade do sistema viário (prejudica na insolação, ventilação, fragilidades na infraestrutura e possíveis engarrafamentos no trânsito);

3) Baixas taxas de permeabilidade do solo que contribuem para pouca absorção das águas pluviais (contribuição para alagamentos);

4) Possibilidade de quarteirões com 400 m lineares de extensão que prejudicam a permeabilidade urbana do sistema viário da cidade (geram barreiras na cidade prejudicando a circulação e continuidade das vias);

5) Quando do parcelamento do solo a exigência para doação de área pública para equipamentos e áreas verdes só ocorre em terrenos a partir de 40.000 m² (gera carência de espaços públicos como praças, áreas verdes, escolas e unidades de saúde);

6) Ausência de estratégias e incentivos para qualificação urbanística (incentivo a ocupação do centro histórico, diminuição de muros vedados, valorização das interfaces do edifício com a calçada, incentivo a usos mistos, etc).


Empreendimentos que avançaram sobre manguezais

Relativo aos parâmetros ambientais percebe-se que a demarcação nos mapas das áreas de preservação ambiental como mangues, lagoas e dunas não possuem georreferenciamento ficando suscetíveis a supressão ou aterramento. Na última década podemos visualizar, por exemplo, vários empreendimentos que avançaram sobre manguezais.

Um bom exemplo desta degradação ambiental e das problemáticas evidenciadas é a ocupação do Bairro Jabotiana no período de 2010 a 2015 quando foram morar 10 mil pessoas na região. Os vários condomínios construídos nesta região aterraram mangues invadindo as áreas de domínio do Rio Poxim.

A partir deste fato temos visto as várias inundações anuais na região. Este fenômeno é decorrente da não revisão do plano diretor e da permissividade da legislação urbana e do licenciamento permitido pelos órgãos municipais.

Depois das evidências destes episódios assistimos em 2023 de braços atados os grandes condomínios sendo licenciados de forma permissiva e que avançam na antiga Zona de Expansão que hoje abriga os Bairros Robalo, São José dos Náufragos, Areia Branca, Gameleira, Matapoã e Mosqueiro.

É importante destacar que esta região ocupa 34% da área de Aracaju possuindo uma largura média transversal entre o Rio Santa Maria e o Oceano Atlântico de aproximadamente 2 Km o que conota uma constituição de um lado de manguezais e marés e de outro de lagoas naturais intermitentes e sistemas dunares junto ao mar.

Uma região com um rico bioma de fauna e flora em um belíssimo domínio paisagístico que vem sendo ameaçado pela ocupação de grandes condomínios sem possuir infraestrutura de saneamento básico e drenagem.

Esta região necessita urgentemente de um planejamento através de parâmetros urbanísticos onde o plano diretor é responsável de regrar e que se desloque para um futuro promissor onde a ocupação e meio ambiente possam conviver de forma mais harmônica dentro de uma visão contemporânea da agenda ambiental global.

Nos impressiona é que a prefeitura de Aracaju está permitindo o licenciamento de condomínios sem um mínimo de planejamento e proteção ambiental! Uma irresponsabilidade com a vida futura do planeta e da sustentabilidade ambiental de nossa cidade. Afinal, qual a cidade que queremos para os nossos filhos?

Flagrante de lagoas na zona de expansão sendo aterradas (foto FGDA)

A quem recorrer para salvar Aracaju?

O poder executivo sempre coadjuvante com os interesses e o legislativo fazendo as ordens.

Quais autoridades podemos apelar?

Salvemos Aracaju, pois a prefeitura municipal acaba de aprovar um financiamento significativo para aplicar na Zona de Expansão sem possuir um planejamento prévio e muito menos um plano diretor para conduzir estes investimentos de forma responsável e para o bem comum do meio ambiente e da sociedade.

Já assistimos este filme na tragédia do Bairro Jabotiana e os investimentos sem participação social que exemplificam muito claramente o descaminho e as atrocidades ambientais ocorridas.

No projeto de habitação social junto as mangabeiras quando tivemos a supressão de espécies e asfaltamento das áreas de amortecimento onde certamente teremos o extermínio futuro da reserva extrativista.

As quase 300 árvores cortadas na Av. Hermes Fontes para implantação de um projeto fracassado do corredor de ônibus e o aterramento dos mangues junto ao Rio do Sal para a construção da perimetral norte. Com tantos exemplos mal sucedidos, como podemos seguir permitindo tantas atrocidades?

Enquanto o mundo inteiro avança na agenda global do desenvolvimento sustentável e para a busca dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU – ODS/2030 o planejamento urbano e ambiental de Aracaju segue na direção oposta.

Percebemos que a partir de vários exemplos e experiências bem sucedidas que avançam pelo mundo inteiro através de ecotécnicas de saneamento e drenagem natural na pegada ecológica poderemos implantar tranquilamente na Zona de Expansão um projeto de cidade que se harmonize com o meio ambiente natural.

Avenida Hermes Fontes antes da destruição de quase 300 árvores (Imagem Google Maps)

Pelo visto a prefeitura pretende implantar um sistema de macrodrenagem tradicional que certamente irá secar as águas naturais desta região com expressiva exuberância e de extrema fragilidade ambiental. É preciso conscientizar o legislativo e o executivo para frear os interesses do capital que apenas visam ao lucro em detrimento da vida futura do planeta.

Se mantivermos vigente o atual Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Aracaju – PDDU, 2000 ou encaminharmos para a Câmara de Vereadores a Minuta de Revisão, 2021 continuaremos com a permissividade construtiva com abusos de ocupações em áreas de fragilidade ambiental, taxas excessivas de ocupações que fragilizam a permeabilidade do solo e coeficientes construtivos abusivos que acarretam densidades populacionais em área sem a oferta de infraestrutura.


Uma revisão do plano diretor sem a ampla consulta pública

Destacamos agora a atual situação em 2023 que se encontra o teatro da Revisão do PDDU. A prefeitura municipal apresentou uma minuta pronta de gabinete sem o cumprimento das etapas mínimas que são exigidas pelo Estatuto da Cidade e sem a devida consulta pública e participação social, principalmente de escuta das comunidade tradicionais da cidade.

Segundo o Estatuto da Cidade no que se refere às etapas obrigatórias estabelecidas para a construção de um Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano é essencial que haja a constituição de um diagnóstico e da leitura da cidade para que se tenha o entendimento das realidades físicas e sociais presentes no município.

Este processo deverá ocorrer de forma ampla e participativa através de escuta e consulta a sociedade buscando sempre as realidades e problemáticas de cada bairro, localidade e comunidades tradicionais.

Nesta etapa é fundamental o controle social quando o poder executivo deverá entender os sentimentos e atributos que cada comunidade possui e anseia para que haja a construção de um plano diretor a partir das realidades sociais.

Nesse sentido, a participação social é fundamental para o exercício da democracia, mas acima de tudo para que a Lei do Plano Diretor contemple as peculiaridades das realidades sociais e as premissas que constituem as comunidades em suas dinâmicas urbanas de necessidades básicas, assim como suas relações sócio culturais preexistentes.

Segundo a Constituição Federal e o Estatuto da Cidade é obrigação do município cumprir com a metodologia das etapas de construção de um Plano Diretor, a exemplo de Leitura da Cidade e Diagnóstico Urbano (que ocorre através de diálogos, pesquisas e escutas sociais), a Pactuação das Propostas (quando são definidas as proposições e expostas para que a sociedade opine), Constituição dos Instrumentos (construção das estratégias a serem estabelecidas no plano) e por fim, o Projeto de Lei (lei do plano diretor).


Ética e responsabilidade dos compromissos da arquitetura e urbanismo

Em pleno século XXI, com o avanço das mudanças climáticas, os consequentes desastres urbanos, o aumento da extrema pobreza e de moradores de rua, é preciso revermos nosso papel social e revertermos este contexto, resgatando a ética e a responsabilidade dos compromissos da arquitetura e urbanismo no Brasil.

Na perspectiva de um porvir frente às cidades mais justas e sustentáveis, acreditamos em sensíveis atributos consistentes do ponto de vista técnico e metodológico para a implementação efetiva dos instrumentos urbanísticos e da participação social para uma construção democrática e de integração social.

Continuamos sempre esbarrando nas questões políticas e nos interesses dos que lucram com a cidade, em detrimento aos que necessitam de um habitat mais adequado com moradia, infraestrutura, acesso aos serviços e equipamentos urbanos.

Finalizo esta breve reflexão analítica referenciando os valores sociais do Estatuto da Cidade e a trajetória de lutas e insucessos no Brasil.

Temos o perfeito discernimento entre os atributos constitucionais que sustentam a normatização de ordem pública e interesse social, assim como os esforços colaborativos que devemos imprimir e entrelaçar entre os vários entes institucionais de movimentos sociais, entidades, coletivos, universidades e líderes comunitários para a construção futura na compreensão e constituição das cidades.

Uma tríade de governança cidadã conjunta entre a esfera econômica, científica e social. Que sigamos nutridos e sustentados pelo Estatuto da Cidade e pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável com olhos em 2030, 2040 e 2050.


Ricardo Mascarello, arquiteto e urbanista e conselheiro federal do CAU/Brasil

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