A Constituição Federal garante que um quinto das vagas nos tribunais seja ocupado por advogados e membros do Ministério Público. Em 2025, uma vaga para o cargo de desembargador será escolhida pela Ordem dos Advogados do Brasil – seccional Sergipe (OAB/SE). Em entrevista para a Mangue Jornalismo, a defensora pública Carla Caroline de Oliveira Silva defende que o perfil dessa vaga deve ser de uma pessoa alinhada às causas sociais.
O quinto constitucional é uma regra prevista na Constituição Federal que garante que um quinto das vagas nos tribunais superiores seja ocupado por advogados e membros do Ministério Público. Essa norma, que abrange tribunais como os de Justiça, Regionais Federais, do Trabalho e Militares, busca diversificar um pouco a composição do Judiciário.
Com a aposentadoria forçada do desembargador Luís Mendonça, pivô de um escândalo de venda de sentenças e outras denúncias, a vaga deixada por ele deverá ser ocupada por essa regra – de um quinto – e caberá à seccional sergipana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SE) indicar quem vai ocupar esse posto. A ordem indica, mas é o governador Fábio Mitidieri (PSD) quem vai escolher e nomear.
Embora o quinto constitucional tenha como objetivo democratizar o Judiciário, incluindo perspectivas de fora da carreira de magistrado, a prática gera controvérsia. Críticos questionam a possibilidade de indicações baseadas mais em relações políticas do que em critérios técnicos, enquanto defensores apontam a contribuição de uma visão mais plural nos tribunais.
A Mangue Jornalismo entrevistou Carla Caroline de Oliveira Silva, que é defensora pública e defende esta última visão sendo enfática que a pessoa que ocupará essa vaga deve estar alinhada às causas sociais.
Mestra em Direitos Humanos e integrante da Coordenação da Rede de Mulheres Negras do Estado de Sergipe, ela defende que essa oportunidade de trazer pluralidade ao Judiciário não pode ser desperdiçada pela sociedade.
Mangue Jornalismo (MJ): Qual é o perfil predominante do Judiciário sergipano atualmente e como a indicação pelo quinto constitucional pode contribuir para ampliar a representatividade e a diversidade de perspectivas nas decisões judiciais no estado?
Carla Caroline (CC): O Judiciário sergipano reflete uma realidade nacional que é o domínio desse espaço de poder pelo perfil socioeconômico do privilégio: maioria branca, sem perspectiva de gênero ou raça; um perfil tecnocrata, hermético no “dizer o direito” sem estar atendo às questões de diversidade e de pluralidade. O Quinto Constitucional está previsto no art. 94 da Constituição Federal e determina que 1/5 da formação dos tribunais seja composto por membros do Ministério Público e da advocacia.
MJ: Mas isso não é de conhecimento da população em geral. Qual o impacto disso?
CC: Infelizmente a maioria da população não tem conhecimento da existência desse dispositivo que na prática determina uma reserva de vagas para a oxigenação do Poder Judiciário que será composto por profissionais de notório saber jurídico que não compõem os quadros tradicionais da magistratura que ingressam por concurso. A importância desse dispositivo é a oportunidade de ter perspectivas sociais múltiplas sobre as demandas que são postas perante o Judiciário, buscando novas dimensões para composição do Judiciário. A construção deste dispositivo buscou, a meu ver, trazer uma diretriz democrática para composição dos tribunais de justiça nos estados.
MJ: Sabemos que o papel do Judiciário é crucial para garantir direitos fundamentais. De que forma essa indicação pode fortalecer a defesa dos direitos humanos, da classe trabalhadora e do meio ambiente ao ocupar uma vaga no tribunal por meio do quinto constitucional?
CC: A eleição do Quinto Constitucional nos dá a oportunidade de eleger um membro que possa abraçar essas questões sociais. Para além da valorização de um saber tecnocrata, o processo de seleção do Quinto constitucional deve levar em consideração outras questões, como experiência profissional, perfil social, defesa dos direitos humanos, envolvendo questões de gênero, raça e classe. Isso significa que é a oportunidade que a sociedade tem de reivindicar magistrados de segundo grau que irão assumir um verdadeiro compromisso com as pautas sociais. O Quinto Constitucional dá peso qualitativo a outros aspectos para essa vaga no Judiciário sem ser a fria pontuação em um concurso de provas e títulos que é a metodologia padrão de ingresso na magistratura.
MJ: A sociedade civil tem cobrado mais transparência e critérios claros em processos de indicação. Quais princípios e valores a OAB deveria priorizar na escolha para assegurar que a vaga seja ocupada por alguém comprometido com a justiça social?
CC: A primeira etapa é assumir o compromisso com uma lista minimamente representativa da sociedade sergipana, no qual haja previsão de paridade de gênero e representação racial. Um outro aspecto importante é a ampla participação da advocacia no processo, com transparência e publicidade para toda a sociedade. Os cidadãos e cidadãs do nosso estado precisam passar a conhecer que existe o Quinto Constitucional, que ele é importante e impacta seriamente os rumos do Judiciário.
MJ: A presença de uma pessoa oriunda da advocacia no Judiciário via Quinto Constitucional pode oferecer perspectivas diferentes daquelas dos magistrados de carreira. Como essa diversidade de visão pode contribuir para decisões mais equilibradas em temas sensíveis, como conflitos ambientais, a luta por territórios na cidade e no campo e direitos dos trabalhadores?
CC: Um desembargador ou desembargadora com perfil a favor das causas sociais será uma peça essencial de pesos e contrapesos na estrutura judiciária, especialmente porque poderá intermediar o diálogo entre a sociedade e o Judiciário buscando a resposta para as demandas sociais. Hoje o principal problema dos movimentos sociais é a falta de acesso para construção de novos entendimentos, nos quais os segmentos sociais tenham verdadeira voz ativa.
MJ: Em tempos de polarização política e ataques às instituições democráticas, qual é o peso simbólico e prático de uma indicação ao Judiciário que esteja alinhada às pautas de direitos humanos e à defesa de uma justiça social ampla?
CC: É um grande desafio, mas um enfrentamento necessário buscar alguém com esse perfil. Necessário que a democracia seja defendida em todas as trincheiras, inclusive nos espaços do Poder Judiciário. O processo de seleção para desembargadoria é complexo. Por isso, é necessário que a sociedade se organize para sensibilizar a advocacia sergipana pela seleção na lista sêxtupla de pessoas com o perfil pró-causas sociais.
MJ: Em termos políticos, as perspectivas são favoráveis a esse perfil diverso do que costuma ocupar as cadeiras do Judiciário?
A sociedade politicamente organizada deve abrir interlocução com o TJSE para selecionar esse perfil na lista tríplice e finalmente agir junto ao governador para que se confirme a indicação. O processo de seleção é complexo e difícil, então a ampla divulgação do processo de seleção para conhecimento de todos e todas é essencial para a preservação de valores republicanos na escolha.