TAUÃ FERREIRA, da Mangue Jornalismo
(@taua_ferreiraa)
A Mangue Jornalismo publica hoje um exemplo de grande disparidade interna em instituições públicas de Sergipe envolvendo os próprios servidores do órgão. O caso ocorre no Ministério Público do Estado de Sergipe (MPSE).
Enquanto os funcionários públicos que são promotores e procuradores de Justiça têm um quadro salarial e de trabalho “diferenciado”, com excelentes remunerações, folgas e gordas indenizações, a maioria dos servidores do MPSE, também funcionários públicos técnicos e analistas, amarga baixíssimas remunerações e sobrecarga de trabalho.
Veja um caso concreto dessa disparidade: em outubro de 2023, o Colégio de Procuradores do MPSE aprovou a Resolução 28/2023. Por ela, todos os promotores e procuradores passaram a ter o direito à indenização por folgas. Isso significa que, a cada três dias de trabalho, esses funcionários públicos têm direito a um dia de folga.
Essa folga a cada três dias de trabalho ainda pode ser convertida em compensação financeira o que, na prática, representa um enorme benefício para promotores e procuradores de Justiça. É claro que esse privilégio não se estende para os técnicos e analistas do mesmo MPSE.
“Eles criaram a possibilidade de indenizar essas folgas ao invés de gozá-las, burlando assim o corte do teto constitucional. Na prática, os membros estão recebendo um terço de aumento sem entrar no limite do teto e sem arrecadar contribuição previdenciária nem imposto de renda em cima desse valor”, informa Dennis Christian Nunes de Freitas, coordenador de Administração e Finanças do Sindicato dos Trabalhadores Efetivos do Ministério Público de Sergipe (SINDSEMP-SE).
Segundo dados do Portal da Transparência, no período entre outubro de 2023 – quando a resolução Colégio de Procuradores foi aprovada – até dezembro de 2023, o MPSE desembolsou mais de R$ 3,9 milhões em indenizações para os membros do órgão, um montante que não está contemplado no teto de gastos estabelecido.
Uma outra realidade: precarização do trabalho
Bem longe das gordas remunerações, muitas folgas, indenizações dos promotores e procuradores de Justiça, mas bem perto deles existe uma outra realidade onde a remuneração é baixa, a desvalorização da carreira é forte e a precarização com o aumento da carga de trabalho só aumenta.
“Nos últimos anos, o MPSE vem passando por um processo de precarização grave decorrente de um projeto neoliberal que vem afetando o serviço público em geral no Brasil todo. Estamos há mais de dez anos sem concurso público e a última convocação de servidor efetivo ocorreu há mais de sete anos “, relata Dennis.
Na direção oposta ao déficit de funcionários, está o número crescente de processos que o órgão recebe. Nos últimos cinco anos, os servidores viram a demanda aumentar a cada mês: entre 2017 e 2023 o número de processos no MPSE cresceu 61%.
Para Dennis, esse problema acarreta em um aumento da mão de obra temporária e precarizada no órgão, o que tem gerado uma piora na qualidade do serviço prestado à sociedade.
“A quantidade de designação de servidores em cumulação, quando um servidor é designado para substituir outro e trabalhar em duas ou mais promotorias ao mesmo tempo, recebendo uma gratificação ínfima por isso, têm aumentado vertiginosamente, deixando-nos assoberbados de serviço”, destacou.
O alerta que Dennis faz sobre a redução no quadro de servidores ao mesmo tempo em que a demanda cresce pode ser constatada nos dados do Portal da Transparência do MPSE. Em janeiro de 2018, o órgão tinha uma ocupação de 447 servidores efetivos para 531 cargos existentes. Já em janeiro de 2023, esse número foi reduzido para 415 servidores, em um quadro de 477 vagas disponíveis.
“A falta de contratação e de concurso, por si só, configura uma outra forma de desvalorização coletiva, na medida em que as funções dos cargos de técnico e de analista são exercidas por cargos em comissão e estagiários de pós-graduação”, afirmou Dennis.
O menor salário do país
Uma das principais demandas do SINDSEMP-SE é a valorização dos salários dos servidores efetivos do MPSE. O órgão, que conta com dois cargos públicos no seu quadro de servidores efetivos, atualmente paga o menor salário do país para esses trabalhadores.
O cargo de técnico do Ministério Público de nível médio recebe o valor de R$ 2.697,90. Já o salário de um analista, função que exige ensino superior, está na faixa dos R$ 5.214,11. Em ambos os caso os valores estão desatualizados, acumulando perdas inflacionárias na casa dos 12% nos últimos cinco anos.
O sindicato alerta para o fato de que essas perdas impactam de maneira mais severa os funcionários com salários mais baixos, que são obrigados a destinar mais da metade de sua remuneração para cobrir necessidades básicas.
Além de pleitear a valorização salarial para os servidores, o SINDSEMP-SE também cobra a redução da disparidade salarial entre os dois cargos. Essa demanda é especialmente relevante, uma vez que os técnicos do Ministério Público representam 45% da força de trabalho do órgão e, ao longo dos anos, têm assumido funções progressivamente mais complexas, exigindo uma especialização cada vez maior.
Em Sergipe, essa diferença remuneratória entre servidores técnicos e analistas do Ministério Público está na casa dos 51,74%, a maior taxa entre os estados do Nordeste.
Redução da carga horária
O SINDSEMP-SE também busca a redução da jornada de trabalho dos funcionários do órgão. Segundo o sindicato, o Ministério Público de Sergipe é um dos poucos órgãos do serviço público estadual que ainda insiste na jornada de 40 horas semanais.
Em Sergipe, tanto o Tribunal de Justiça quanto o Tribunal de Contas do Estado já adotam o regime de 30 horas semanais para seus quadros de servidores e essa mudança não resultou em perda de qualidade nos serviços prestados à população.
“Os servidores são a linha de frente do serviço público no atendimento à população sergipana. São os servidores que fazem o primeiro contato com o cidadão e dão os primeiros encaminhamentos junto à Promotoria. Valorizar o servidor é garantir um sistema de justiça forte, qualificado e impessoal”, defende Dennis Christian.
A falta de diálogo
Na tentativa de reduzir a disparidade entre servidores e membros do MPSE, assim como melhorar as condições de trabalho dos servidores, o SINDSEMP-SE busca o diálogo no MPSE.
“Entendemos que o melhor uso do dinheiro público seria aumentando o quantitativo de servidores efetivos para absorver o aumento da demanda dos últimos anos, bem como a valorização dos servidores concursados como forma de reconhecimento pela experiência no cargo e pela qualidade do serviço”, relembra Dennis.
O sindicato ressalta ainda que há mais de um ano vem tentando organizar uma reunião presencial entre os servidores e o procurador geral de justiça com o objetivo de abrir um canal de diálogo para apresentar as pautas da categoria. Contudo, até o momento, somente um pequeno encontro foi realizado em janeiro passado.
A Mangue Jornalismo procurou por dois dias o MPSE para obter sua posição sobre as demandas dos servidores e a discrepância entre técnicos, analistas, promotores e procuradores. Até o fechamento desta matéria, não recebemos resposta.
CRISTIAN GÓES, da Mangue Jornalismo (Supervisão)
@josecristiangoes