RAFA ARAGÃO, especial para a Mangue Jornalismo
(@rafaaragaodj)
Referência no cenário musical, o músico Alex Sant’Anna revela nessa conversa descontraída com o jornalista Rafa Aragão histórias de criação das músicas, sua relação com outros artistas e músicos da cena sergipana e nacional, além de fazer um apanhado da sua carreira. Este Faixa a Faixa, uma entrevista musical, segue a sequência do álbum e pode ser lido na ordem desejada, inclusive ouvindo Aplausos Mudos e Vaias Amplificadas no seu tocador preferido.
O início dos anos 2000 foi um período frutífero para a música em Sergipe, especialmente para os artistas de Aracaju. O cenário de shows era agitado pelo surgimento do Projeto Verão, enquanto roqueiros e indies se reuniam anualmente no Festival Punka.
A famigerada Rua da Cultura trazia a classe artística todas as segundas-feiras para a praça dos mercados no centro da cidade. Bandas e artistas que surgiram nas décadas anteriores consolidaram suas carreiras, como Karne Krua, Snooze, Lacertae, Maria Scombona, Warlord e Patrícia Polayne. Outras tantas, fundamentais para a formação cultural sergipana nos anos seguintes, nasceram nesse período, como The Baggios, Reação, Naurêa, Plástico Lunar e Triste Fim de Rosilene.
Em meio a essa efervescência, Alex Sant’anna despontou, iniciando uma carreira que seria reconhecida tanto por seu trabalho solo quanto como um dos líderes da Naurêa, banda que ele deixou em 2018.
Agora, em 2024, Alex celebra os 20 anos de seu primeiro disco solo, Aplausos Mudos Vaias Amplificadas. Embora o álbum tenha sido ofuscado pelo sucesso da Naurêa (que também havia lançado seu primeiro disco na mesma época), ele é um dos mais importantes da discografia recente da música sergipana. Por isso, fui até a casa de Alex para conversar sobre o processo criativo desse álbum. Faixa a faixa, ele relembra a produção e compartilha histórias e personagens importantes que ajudaram a construir a cultura de Sergipe.
Faixa a Faixa com Alex Sant’Anna
Poesia de Barro (Alex Sant’anna)
Poesia de Barro é a única música do disco que eu continuo tocando até hoje. Acho que ela saiu poucas vezes no meu repertório. Escolher a primeira música de um disco é sempre um risco, que eu descobri depois de já ter escolhido. Eu acho que a minha escolha foi boa porque é uma música que não diz o que é o disco, não aponta. Ela de ritmo ela pode não ter nada a ver com o resto do disco, mas com sonoridade ela tem, então acabou que ela dá um certo ar, “o que é isso?” Não tem bateria, é um pandeiro, um violão descompassado com uma batida meio diferente, e com os efeitos eu que gravei a guitarra, botei os efeitos passando o vidro (nas cordas da guitarra). E era uma música que já existia. Eu já tinha uma carreira solo,em 2001, pouco antes da Naurêa. Só que eu briguei com a banda inteira, e fiquei sem tocar um tempo. Calhou que eu conheci Patrick (Tor4) e Márcio (de Dona Litinha), e a gente montou a Naurêa quando eu não estava tocando. Então, eu já tocava essa música, 99, 2000.Eu lembro que eu fui para um show de Rubens Lisboa, e ele recitava várias poesias durante as músicas, ele gosta e tal. E eu ficava:“porra, achei legal, mas eu não sou poeta”. Foi daí que surgiu o refrão “minha poesia é de barro”. E aí comecei a construir a música, brincando. Primeiro eu tinha essa poesia de barro, e aí depois eu fiz a música e encaixei essa poesia de barro, que é uma coisa assim, uma historinha, uma coisa que vai ter início, meio e fim. Elisa, que tocava percussão comigo [antes] foi embora para o Rio de Janeiro em 2002 e eu queria muito o pandeiro dela no disco. E aí procurei um estúdio, eu me lembro que eu gravei em um estúdio fuleríssimo, lá na Barão de Maruim, a gente foi para lá para gravar sem ter nada, só queria que ela gravasse os grooves e depois eu recortei tudo, montei tudo no Acid, foi tudo montado no Acid com o pandeiro que ela deixou gravado, ela deixou gravado essa e Depois da Tempestade.
Todos Estão Mudos (Márcio André, Alex Sant’anna)
Todos estão mudos é uma parceria safada. Do nada eu vinha ouvindo a versão do Chico Science de “Todos estão surdos” do Roberto e Erasmo e aí eu cheguei para Márcio e disse “vamos fazer uma música “Todos estão Mudos” e ele respondeu ‘massa, bora fazer’. Aí depois ele já chegou com a música pronta. Falei “velho era pra gente fazer junto, mas não quero saber não, é parceria”, na verdade, essa parceria eu não fiz nada, eu só dei o nome para a música, dei a ideia, Márcio compôs, essa está creditada com os dois porque eu achei que era justo, porque eu dei a ideia. A parte que fala, “povo calado e a moça com a boca tapada, na televisão”, ele está falando da Feiticeira (do extinto Programa H). Olhando a ficha técnica, eu fui lembrar que nem todas as músicas tem bateria, Poesia de Barro não tem, essa foi um sample de bateria que eu montei, e o mais legal, teve um baterista daqui, que chegou para mim, elogiando. Foi mais uma que eu montei em casa, já fui para o estúdio com a estrutura pronta.
O Que Não É (Alex Sant’anna)
É uma música que eu escrevi e que participou do Festival Um Novo Canto. Foi lá no Centro de Criatividade, Betinho (Caixa D’água) me conheceu com essa música. Então, é uma canção com um tom mais político do disco. E foi uma música que depois eu parei de gostar. Eu achava que era muito panfletário. Eu parei de tocar depois do festival. E o Pablo (Ruas) começou a tocar na banda dele, Escamboada. Eu falei, “velho, essa música é legal, eu vou gravar”. Ou seja, ele me reapresentou à minha música. E é por isso que eu chamei ele para participar comigo. Porque ele me mostrou, de novo, que a música tinha um potencial.
O Que É (Alex Sant’anna)
O primeiro disco acaba sendo essa coletânea de coisas que a gente já escreveu. O que é, foi a minha primeira música gravada. O meu primeiro fonograma, em 1997. Quando eu gravei o 25 anos (Ao Vivo), em 2022 eu escrevi o projeto contando desse lugar e não de quando eu comecei a tocar, eu contei 25 anos do meu primeiro fonograma lançado. Que foi “O Que É”. Uma música que participou do Sescanção, numa versão totalmente diferente. Quando participou do festival era uma menina que cantava comigo na época chamada Perla Bulhões. Essa é a música que eu gosto até hoje. Só que eu não queria (no disco) não cabia. E como era a época que eu “encontrei” com o Thom Yorke em alguma esquina aí tive uma ideia de transformar ela. E aí ficou essa versão mais com as guitarras molhadas, flutuantes. As coisas cheias de delay. Com outro clima que coube bem no disco. É uma música que tem uma letra bacana, mas que tem um trecho eu não canto hoje. Não é por medo de ser cancelado, não. Mas é porque eu não concordo com o que eu escrevi. “O Que é/ Uma grande tristeza/ A uma pequena alegria Comparada? Nada não.”. E eu não canto essa parte “nada não”. Eu não dou a resposta, cada um que pense o que quiser. Quando eu respondo eu acho que fecho a ideia da música e não precisa fechar.
Pra Sempre Nunca (Márcio André)
Eu conhecia Márcio muito de leve, de “Oi, oi”. Ele foi num show que eu estava tocando no Muquifo, fazendo voz de violão. Aí ele foi dar uma canja depois, no intervalo. E cantou essa música. Aí eu, “caralho, eu quero gravar essa música”. E foi assim. E depois a gente ficou amigo por causa da Naurêa. E tem várias pessoas que chegam pra mim “a música que eu mais gosto (sua) é aquela que vai me amar pra sempre”. Aí eu, pô, legal (risos) Essa não é minha. Nem sempre eu digo. Eu poderia ficar triste com isso, mas eu não tenho essa vaidade, não. Tenho outras. Márcio nunca gravou essa música. Então, de alguma maneira, ela é minha também. Claro, a autoria é dele. Os direitos autorais são dele. Mas, de alguma forma, a música é minha. Então, eu me orgulho de ter gravado, é uma das que eu mais gosto do disco.
Estandarte Ianque (Alex Sant’anna)
Uma dessas músicas com mais política e tal. Que depois eu desgostei justamente pelo mesmo motivo de achar muito panfletário. Porque também o meu jeito de escrever foi mudando com o tempo. Não sei se não necessariamente para melhor, mas foi mudando. Hoje em dia eu acho que eu não escreveria isso. Tem várias pessoas que me pedem para tocar essa no show. Algumas vezes eu já improvisei e tal, mas nem sei mais a letra. Na época era uma música muito forte no meu show. Porque tinha tudo a ver com aquele nosso momento. O meu momento de Pablo, do Caixa Cênica. A gente indo para a porta do Teatro Atheneu fazendo uma manifestação que depois gerou a Rua da Cultura. Aí ia Mingau pintando um quadro ao vivo, outro com violão, Diane cuspindo fogo e fazendo performance. A Rua da Cultura, pouco tempo depois, começou ali também fazendo a mesma coisa em frente ao Teatro Atheneu. Então era um momento que a gente estava também muito envolvido politicamente. O meu disco foi lançado dia 11 de setembro, não foi à toa. Então era uma música que tinha muito a ver com aquele momento que a gente estava vivendo e o que a gente queria falar. Então por isso também marcou algumas pessoas.
Antes Que Seja Tarde (Pablo Ruas e Alex Sant’anna)
Essa é uma parceria com o Pablo. Essa eu lembro quando eu fiz e como eu fiz. Eu fui pra casa dele um final de semana e tava uma galera conversando, alguns fumando um beck na sala e tal. E tinha um caderninho de Pablo, de letras de poesias dele. E eu gosto de compor enquanto outras coisas estão acontecendo. Diane já sabe, ela está assistindo alguma coisa e eu estou aqui compondo baixinho, pensando e minha cabeça não está mais prestando atenção em nada. Eu consigo me desligar e vou. E essa música foi assim. Peguei a letra dele praticamente do jeito que estava escrito. Foi uma música que surgiu desse jeito. Eu e Pablo, a gente conseguia compor junto que é uma coisa que eu não consigo até hoje. De sentar e tal. Não foi o caso dessa. Eu só peguei a letra e musiquei.
Depois da Tempestade (Alex Sant’anna)
Pablo entra nessa porque foi ele que deu o nome à música. Essa tem uma história real. Em 2001, eu acho. Não sei se está certo, mas nesse período teve uma chuva muito foda aqui em Aracaju que alagou tudo, derrubou árvore. Foi um negócio assim. E eu dormi e não vi nada disso (risos) No outro dia as pessoas falavam: “Como assim?”. Um tempo depois eu fui compor uma música e eu lembrei dessa parte. As outras partes da música não tem nada a ver com isso. É música mais falada, mas no final é um negócio também bem Radiohead. Pela minha lógica da música, que é parceria com o Márcio, era para essa ser parceria com o Pablo também (risos).
Aprendendo a Mentir (Alex Sant’anna)
Essa música eu ‘peguei’ em uma revistinha de cifra de Chico Buarque e roubei uma harmonia. Mas a harmonia não tem dono, se a harmonia tiver dono o rock está fodido, quem faz o blues, pronto. Por que eu escrevi essa? Sinceramente eu não lembro. Tem uma coisa legal. Essa foi a primeira música que Diane cantou ao vivo comigo no lançamento do disco. Aí no meio entram umas coisas meio eletrônicas também. Que dando essa unidade do disco, mesmo sendo uma bossa nova.
Falido (Alex Sant’anna)
Falido é mais uma canção de festival. Falido participou de um Sescanção. Uma coisa mais meio Lenine, Pedro Luís & a Parede. Essa galera toda… Puxa uma coisa meio ‘maracatusada’. É mais uma música que participou de um festival e mais uma vez, não ganhei nada. E tem uma performance que eu terminei o show. Eu peguei uma fita crepe dessas marronzinhas e quando termina com o solo, eu vou amarrando, passando a fita o rosto inteiro com a fita crepe. Foi no festival de 2002 por aí, não lembro, não é das mais antigas, ela não.
Boas Intenções (Alex Sant’anna)
Boas Intenções que é uma música bem Raul Seixas contando a história do cara que morreu, mas não estava na hora dele. E aí foi com essa brincadeira “do meu senhor, tô sem hora”. Convidei Denver pra fazer o diabo, tem Diane, tem Flávio, tem Aragão tocando cavaquinho. Vou regravar e chamar Julico pra cantar comigo, ela lembra as músicas da The Baggios.
Ficha Técnica – Aplausos Mudos Vaias Amplificadas
Gravado de março a junho de 2003
Gravado, mixado e masterizado no Caranguejo Records Studio/SE
Pré- produção: Studio de Tápia
Produção: Léo Airplane e Alex Sant’anna
Técnico de Gravação: Lelys Neto
Mixagem, Masterização, Edição e Sound Design: Anselmo Pereira
Arranjos: Alex Sant’anna, Leo Airplane e Abraão Gonzaga
Projeto Gráfico: Base Propaganda
Fotos: Mingau e Aluizio Accioly